quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Intolerância

Pira de livros "não germânicos" a 10 de Maio de 1933, em Berlim. Fotografia do Illinois Holocaust Museum.


O meu primeiro artigo neste blogue é sobre intolerância. Intolerância religiosa. O confronto entre religiões, ou melhor, entre culturas civilizacionais diferentes, tem sido apontada por muitos como o grande desafio para o século XXI. A verdade é que os primeiros anos deste século parecem confirmar isto mesmo. No Ocidente temos visto acusações episódicas de intolerância religiosa a alguns líderes e fiéis cristãos, acusações provenientes na sua maioria da esquerda política. Mas há também uma preocupação generalizada da população com a intolerância que se vive no mundo islâmico: para além dos ataques terroristas que tiveram lugar no Ocidente ao longo da última década, vemos todos os dias a queima de bandeiras de países ocidentais e de símbolos da sua cultura, bem como das manifestações de ódio quando uma polémica religiosa estala (o caso das caricaturas dinamarquesas de Maomé é exemplar). 

Nos últimos meses assistimos a duas grandes polémicas nos Estados Unidos da América. Uma de revolta contra a construção de uma mesquita e de um centro muçulmano em Manhattan, Nova Iorque, próximo epicentro dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001. A última estalou há dias na imprensa internacional. O pastor de uma pequena comunidade evangélica da Florida lançou uma iniciativa denominada "International Burn a Koran Day", qualquer coisa como "Dia Internacional de Queima do Corão". A iniciativa tem merecido a atenção dos media de todo o mundo, bem como de muitos dirigentes políticos e religiosos. Têm-nos chegado relatos da polarização que a sociedade americana tem vivido desde que Barack Obama chegou à Presidência do país, com o surgimento e reforço de movimentos extremistas (como o movimento Tea Party e o aumento da actividade de grupos de extrema-direita). Espanta uma iniciativa deste género vinda de uma comunidade cristã, por absolutamente contrária ao princípio basilar da religião: o amor ao próximo, que implica respeito pelo outro e pelas suas escolhas. "O uso da violência em nome de uma crença religiosa é uma perversão dos ensinamentos das grandes religiões", como recorda o comunicado do Vaticano no qual esta iniciativa é condenada.

Iniciativas desta natureza não reforçam nem dignificam a posição do Ocidente. Até agravam a difícil posição de um país que luta em diferentes frentes contra o fundamentalismo, que é impossível de se vencer com a mesma moeda, com mais intolerância. Este acto deve ser visto à sua devida escala: a comunidade que o leva a cabo não tem mais de uma centena de fiéis. Mas não deixa de ser um sinal relevante do ambiente que se vive do lado de lá do Atlântico, bem como dos riscos internos que o Ocidente corre.

3 comentários:

pedro leitão disse...

Muito bom, Tiago.

Não subestimes a sociedade civil americana, nem a sua capacidade de se auto-regenerar (contra si própria, para si própria, numa dialéctica estranha mas eficaz). Ora repara nesta notícia, um bocado bizarra, mas ilustrativa dessa capacidade de auto-controlo: http://www.mediaite.com/tv/greg-gutfield-to-open-a-gay-bar-next-to-ground-zero-mosque-to-cater-to-islamic-gay-men/

Enquanto o poder político não patrocinar nenhum lado da polémica é de esperar que a sociedade se adapte a estes dilemas - algumas vezes de forma ruidosa mas, ao menos, sem recorrer à repressão. Quando o Estado cede à tentação, então sim, está o caldo entornado.

Anónimo disse...

BREAKING NEWS:
"Fla. minister cancels burning of Korans on 9/11."
Informação divulgada à pouco pela Associated Press no seu sítio na internet.

Tiago Laranjeiro disse...

Pedro, de facto as maravilhas que faz a "mão invisível"!

Não subestimo essa capacidade para se regenerar. Nem tão pouco a sua importância (preponderante) para a manutenção da ordem e da paz no mundo nos últimos 60 anos. Mas é certo que o momento actual é um momento difícil, dado que todo o Ocidente se está a adaptar a uma nova forma de lidarmos uns com os outros e com o resto do mundo. E os americanos, habituados a terem o papel principal, tentam perceber como será agora que reparam que terão de partilhar o palco. Uns reagem como Terry Jones...